sábado, 10 de junho de 2017

Amor que não chegou
(1o/jun/2017)
Reporto-me a você, amor que não chegou, ou passou por mim e de mim se preservou,
Tenho ciência de si, mas não desenvolvi os instrumentos capazes de superar a minha técnica, ultrapassada, anacrônica e desatualizada de amar.

Recorro a você como uma gentileza, esse pensar sobre nós dois, como se fossemos diferentes, sem sermos unos, como se fossemos mais que um papel de parede agradável ou, simplesmente, plasmado em ambiente cênico, cínico, obtuso e sem chance de redenção trágica, dramática ou cômica... a catarse tende a extinguir no patamar de nossa mente cotidiana.

Devolvo-me a você, enquanto projeto utópico que degringola de tanto maquiar-se renovado, de tanto ostentar vestimentas, movimentos e risos ensaidos...
Oculto-me também nesse esforço hercúleo de não deixar necrosar o tecido afrodisíaco da imaginação erótica que, na sombra, espreita e oscila pra lá e pra cá, na vida de agora e de antes dessa comiseração.

Absorto-me e resfolego, sem abordar-me por inteiro, sem abortar de vez o sonho-trânsito entre a quimera e o dia-a-dia compromissado de um bom dia, de um sorriso, de uma busca de contentamento ou alegria transitória... uma nunca não-felicidade, mas uma sempre renovada chance de satisfação.

Epicuro-me dessa jactância de quem procura algo que diz estar sempre consigo, que nega, por infelicidade, o reconhecimento de que o que é feliz é o tempo em nós mesmos reconhecido, não o antes, nem o depois, mas o que agora respiro e transpiro como reflexão.

Presenteio-me, presentifico-nos em cada golpe dessa tecla nervosa, marcadamente palpitante, sem ter um rosto, um nome, uma lembrança ou um reconhecimento localizado nessa minha história... em suma, ofereço a nós dois uma chance sempre nova, sempre renovada de concretização diária, noturna, sonâmbula ou não, mas incrustada de nossas almas, sem as quais, nem mesmo o amor pequeno, singelo, cafona, descerebrado, o amor de esquina, o amor de lua nova, nem mesmo o amor de várias almas juntas, vale a pena.
A Revolução
(08-jun./2017)
Revolucione hoje, agora, no seu cotidiano,
No seu acordar e bocejar, no seu desjejum, no seu higienizar a boca e os dentes.
Revolucione hoje, mas não se esquive de imaginar um amanhã melhor,
Que não se baste pela marca de seu celular,
Que não se baste pela “qualidade” relativa de seu transporte,
Que não se baste pelo olhar do outro que compete com você pelo entusiasmo alheio que persegue sempre o entusiasmo alheio do outro.

Revolucione sem esquecer, também, o dia de ontem, o dia do seu nascimento, o dia da partida dos que você queria bem, daqueles que sequer conheceu, daqueles que odiou, e, sobretudo, sem esquecer-se dos sonhos inocentes e imaturos de sua infância, de sua adolescência.

Mas, não esquecendo, não confunda o que não se realizou com desesperança, ou antes, com a sofreguidão da derrota que tenta sempre seduzir cada um de nós a nos esquecermos que o ‘tempo’ ainda não está perdido, ele se renova a cada átimo, a cada fluxo respiratório que costumamos, inconscientemente, realizar...

Revolucione hoje, pensando, projetando aquela utopia tão desprezada nos tempos presentes, no contemporâneo desesperante de não ter um porto onde se ancore no final da jornada... céu, inferno, carência de sentido, tudo isso é secundário frente a fraude que é viver sem comoção, sem enternecimento pelo segundo de agora com a mesma ênfase pelo segundo anterior ou pelo temor do segundo seguinte.
Viver é isso... o vácuo que preenchemos com nossos sentidos, com nossa razão, com nossa memória, com nossos medos, com nossa entrega pela ideia de algo melhor, ainda que arrisquemos sempre nada encontrar no segundo futuro.

Viver é isso, tentar transitar entre as sensações, nossas intuições, nosso intelecto, nossa sinceridade diante do espelho, reconhecendo as rugas e o olhar juvenil que as desmente, a alma acesa que nos impele mais adiante, sorridentes, sérios, tristes, desesperados, angustiados, moribundos, carentes, entusiasmados, calados, transeuntes, estacionados, revolucionários... e outros inumeráveis estados.

Façamos isso, revolucionemos pelos simples ato de contestar a mesmice e a falta de credencias do outro em nos induzir ao pensamento ordinário da covardia, do desprezo, do entreguismo, ou seja, da medíocre mesquinharia dos que não revolucionam suas vidas com medo de perderem o que se iludem ter – não que ter algo além de si mesmo seja um pecado, pois o pecado, talvez seja olhar obsessivamente pra fora sem valorizar aqui dentro de nós com ousadia, com timidez, com picardia, com graça, com sensibilidade, com participação, com muito mais além do que lá encontramos, e, comunitariamente, compartilhamos com nosso próprio eu.

Todo ar que entra em nós revoluciona! Por isso essa minha insistência em que você também – e nesse você me incluo eu – acompanhe esse caminho natural que tanto tentamos negar, que tanto menosprezamos, que tanto o mundo – e não a vida – tenta nos fazer fugir quando acordamos sem nos darmos conta de que não estamos despertos.

Eis, então, uma profunda tarefa que reconheço não ser nem fácil, nem simples, sobretudo pela sua facilidade e sua simplicidade irreconhecíveis para todos dos filtros que nos tolhem a conexão além do facebook, além dos atos-fala convencionais, além das tradições desatualizadas, além dos protocolos desnecessários, além da chance de exclusão, além da perda de autonomia da própria alma, além do controle de um espírito tacanho e irreconhecível que se diz humano, mas nega humanidade ao que esta ao nosso lado, tão atordoado, tão atemorizado que não nos vemos mais em lugar nenhum do outro, seja nos olhos, seja no riso, seja na lágrima emocionada, seja no toque da pele gasta, da pele flácida, da pele que nos envolve e nos absolve da absorção contínua do contato humano. Sigamos então e revolucionemo-nos.