quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Próximo período

Gente, semana que vem começo a postar os escritos do próximo período. Grato pela visita.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Décimo e último ato do período

As palavras são pedras que enfeitam nossas tiaras,
Pois, usando da sinceridade como ornamento, entronizam:
gestos, atos, sentidos ao que desejamos e fazemos.
Comunicamos algo maior quando ligamos o verbo ao substantivo e o adjetivamos,
Com o pouco ar que no falta a cada hora,
com o ponteiro que nos açoita,
Com a pecha de sermos mortais e finitos.
Seria covarde falar algo
se não há nada dentro que valha a força do diafragma?
Esse vazio, esse estio, essa clausura revestida de deserto,
Já seria por si a poesia latente,
o urdimento com que cada poeta veste as palavras ôcas.
Não há que se calar o que dentro toma forma e quer se expor.
Há que procurar a tradução mais próxima e justa
num vocabulário árduo.
Compensa liberar pena e pensamento
e que a recompensa seja o viver pleno e satisfeito.

Ato 9

Nesse mês de julho ainda não posso roçar seu pescoço num gesto de carinho.
Aceita, então, esse cachecol como símbolo disso.
Nesse gesto, aqueço a idéia de protegê-lo na manhã,
Na tarde e na noite fria.
Deixe que se mostre presente esse meu gesto cuidadoso.

Desejo reger o tempo,
Regar seu sono, sua vigília,
Qualquer estado seu na lida cotidiana.
Quero manter acesa minha fogueira,
dando sentido ao calor com que aqueço o peito.

Quero atender a qualquer urgência sua,
Protegê-lo com a lã e esse afã com que corôo o meu pleito atento.
Quero apossá-lo nesse meu afago e despojá-lo do medo que congela a alma.
Faça-me regente e destrone qualquer indício que aponte o contrário.
Que vingue o título e o reinado,
Que vingue e se eternize, num gesto quase vago.
Eis que o eterno também reside no ordinário.

Ato 8

Procurei-me em algo difícil de encontrar fora de mim
Procurando subjuguei-me ao ato.
Deixei a astúcia de lado e aliei-me à inocência.

Escuto passos de uma impaciência, ao longe,
Envolta numa névoa distante.
Ouço os ecos de seus passos em mim,
Há algo entre nós e o necessário dessa solidão.

Você perto de mim me torna mais puro,
Mais dentro de mim, envolto na névoa que sou,
Centrado no que me desconheço.
O escuro revela-me esse eixo.
Jaz um rosto em minha face,
(O vejo de olhos fechados)
Cheio de uma adesão tranquila,
Quando abro os olhos, disso me certifico.

A luz me dá uma certeza intensa de pertencer tanto!
Quero dividir-me...
Estar ausente, do todo que sou eu,
é feito uma ilha ausente do continente a que pertence.
Isto é um ato que transborda e modifica,
Uma flor que nasce, desabrocha, morre e ressuscita.
Pertencer-se é poder doar-se,
Senão de todo, pelo menos em parte, à vida,
Ou ao que ela clama ou reivindica.

domingo, 30 de agosto de 2009

Ato 7

Na sêde do que somos procuramos complemento,
mas toda vez que a terra gira, brinda-nos com:
o germe da crença em florescermos e sermos;
o dia a dia, numa alquimia que a vida torna espelho.

Seu riso é um cálice de onde minha alma brota,
fonte onde, bêbado, me abandono.
O lábio que me leva, bússola de minha travessia,
intuição que não me desaloja, não me desaponta.
Rocha.

Nossa prece é a sinceridade desse batismo,
o necessário pra que não haja desencanto.
O que se pede é a necessidade de encontrar-se a outra face,
e nessa atividade lançamo-nos com afinco tamanho,
que nos deparamos com o que há de melhor em nós mesmos,
quando espelhamos e embelezamos, pelo sentimento, um ao outro.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Ato 6

Por enquanto sou a lembrança de um fantasma em sua vida...
uma certeza bifurcada no temor de arrepender-se da escolha proferida,
uma esperança no desejo de ultrapassar o limite que lhe prende.

Sou, por agora, a incapacidade de dizer sim ou não.
Opção...espera.
Sou a decisão futura, no momento certo.
Espero.

Quero sua mão.
A solidão irá embora.
Evoluir é uma semente que sempre brota...
torna-se flor e desabrocha.

Emperrar nesse mecanismo,
ao persistir no tom obsessivo,
nos faz morrer e, como num abismo,
nos faz ceder a vertigem suicida.
2006

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Ato 5

Você me feriu quando me disse que alguém amou você mais que eu.
Me feriu por ter, dessa maneira, diminuído minha ousadia.
Me feriu por me comparar a sua antiga companhia.
O que considerei inominável.

Feriu-me sem querer, é verdade, pois não se ateve ao peso de sua afirmação.
Não percebeu, não viu, não reparou na dor e na aflição causadas.
Não ouviu o grito agitado de viver essa minha condição.
Eu me pergunto se um dia essa ferida cicatriza.

Outra pergunta surge:
- Onde anda sua antiga companhia? Com quem e como?
Por quais territórios sua viagem prosseguiu?
Qual a bagagem e a passagem paga? E sua sombra?
Sim, sua sombra! Esta acompanhou seu corpo na travessia da separação?

Pergunto e cismo:
- Serei eu uma aberração! Onde está a minha?
Desligou-se de mim e não voltou... continua ligada à sua, sem que a note,
sem que lhe devote a atenção que ela, em súbitos lamentos, vocifera.
E, em todos os segundos, declara-se incapaz de superar o prejuízo que sua ausência causa.

E a poesia? Se fez na boca alheia? Seu lábio pronunciou uma palavra encadeada em outra?
Engatilhou esses disparos incontroláveis, resultantes da tentativa de fustigar o ar insano?
Falou com Deus e pediu-lhe, na forma das sobras que se tornou, algum alento,
a fantasia, ou ilusão, de ter de volta o alimento que nutria sua alma?

Eu me pergunto:
- Se tudo fiz, porque ao menos não presumiu o quanto uma afirmação destrói?
Eu lanço essa pergunta a você...
Lanço e ensurdeço...
ensurdeço porque temo.
set/2006

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Ato 4

É difícil despir você de mim.
Sua pele enclausurou-me e mantém-me retido e desfeito.
Tornou-se difícil respirar e o mundo parece estar girando...
e eu me sinto parado,
sem noção exata do espaço de mim mesmo,
perdido enquanto procuro desfazer-me de tal dificuldade.

Tudo girando... e eu ainda procuro o que podia ter sido,
procuro algo que não me fira, nem me aniquile sem sobreaviso,
caço as sobras, reservas e conservas de geladeira.
Caço o que não foi desfacelado... encontro o piso onde me esparramo.

Em tudo mais ofega-se, transpira-se e verte-se,
a substância é salgada... e perdida.
Reclama-se e molha-se a colcha, o lenço, a blusa, a fronha...
Revolve-se em si mesma, sem sentido, nula e descontrolada...
Sugada, tragada e vertida em território vago.

O que sobra disso tudo sou eu? Ou o rascunho do que fui,
um espelho comigo dentro, estendido em seu fundo?
Sobra minha casca, invólucro suspenso,
minha casa em minha ausência, trincada, úmida, em silêncio.
Sobra o resto de um grito, o nó, a garganta, um eco sufocado.
Sobra o vinho, o rum, o gim,
o granizo que não mais caiu,
que não machucou tanto quanto era preciso ter machucado.

Raras vezes, aparece o vento, o frio, o quente,
dia e noite conjugados numa mesma atmosfera.
A madrugada parece estar embalada a vácuo,
com uma galáxia desnutrida, frágil...
constelação de idéias cegas.

Então o pó era um risco,
assim como o eco de gotas do chuveiro e na pia também eram.
Essa dormência zumbi,
Essa clemência epidêmica alojada no cerne de si mesmo,
Esse medo fantasma de uma esperança tardia... seriam o pagamento.

Tanta sobra assim nos envenena,
amarra a boca e turva a paisagem mais clara.
Tanta sobra assim é a granada numa explosão virulenta,
impiedosa para com nossa retina passiva.

Tudo que sobrou há de faltar,
num passado e num futuro presentes,
num universo paralelo e sem tempo,
eterno e findo em cada momento.
set/2006

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Ato 3

As idéias proliferam e os medos também.
Pessoas somem, desaparecem.
Lilians, Ritas e outros mitos...
Pessoas mais próximas, seu sumiço temo.
A dor do apagar-se,
a dor de apegar-se e perder-se em dor.

Algo na garganta surta e o ventre infla.
O grito murcha sempre a meio caminho.
Grito prenhe não vinga.

Os dias são de espera e o pêndulo transita,
onipresente em cada frémito meu.
Nomes me provocam e eu tremo.
Diante de mim o universo,
diante o adiante inexorável,
a manivela de um realejo universal...
a música toca e dançamos surdos...
a luz se apaga e dormimos mudos.

Alguém pode dizer qual a palavra certa,
o gesto, a senha exata para sincronizar-se com a melodia?
Qual é o fim, o começo, o meio?
O extremo posto, imposto e oposto nos empurra para o nexo do que somos.

Qual o sexo correto? Que beijo não proibiu-se?
No espelho sou você amanhã e você fui eu ontem.
O desejo não responde, apenas pergunta e supende esse estado,
de onde, covarde, se afugenta.

Quero ouvir a voz, tocar a mão, acarinhar a alma
numa profunda e terna poesia...
Quem dera alguém mais, algum dia, isso tenha sonhado.
Quem dera, querendo mais do que podia, arrebatou-se do sonho,
transfigurou-se ao reconhecer-se e seguiu sendo.

Os lábios roçam palavras que nada mais fazem,
não me resolvem, não trazem certeza ou calmaria,
trazem a si mesmas, revoltas, obsessivas,
sem o descanço de uma sombra amena, ainda que tardia.

Quero os nomes ungidos de uma esperança multiforme,
e que o meu esteja entre todos eles,
porque o medo, temporariamente, preside em nossos corações,
e esperamos a mão prometida que venha apaziguar-nos,
repleta de ternura e compreensão, ainda que tardias. (2006)

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Ato 2

Estou repleto de coisas, umas plenas e profundas, outras nem tanto, amenas,
pequenos tesouros a lhe oferecer.
Sincero, à sua frente, encontro-me mudo.
Meus olhos segredam:
- Despido dentro de mim... desnudo diante do mundo.

Antes, um vendaval não acenderia a brasa-jazida,
hoje, um suspiro, um sibilo, uma sensação tardia...
e um incêndio se forma.
Meu fogo arde em fome preocupada por sua lida.

Estou ao meio, pela metade em você,
Inteiro nas redondezas de sua presença... no riacho de sua figura.
Em sua ausência sou sol pleno em deserto,
sou o que antes circundava e agora oriunda-se,
sou o que agora bifurca-se e procura uma única via,
estrada contínua, intracejada trilha.
Lúmen. (2006)

terça-feira, 7 de julho de 2009

Livro dos atos solitários

Ato 1
Eu penso em você o tempo todo.
Penso quando ando, enquanto durmo, quando sonho.
Penso em você quando olho pra dentro de mim, ferida aberta,
espírito, espelho, cotidiano...
Penso quando cismo não pensar, me engano e me pego pensando.
Eu me perco em raciocínios e me encontro, de novo,
quando em meu pensamento vislumbro seu rosto.
E, em cada entorno dessa obsessão, me ludibrio desse seu eterno retorno.

Eu penso em você em cada fôlego, cada fuligem de bocejo matutino, cada lembrança de noite, carapaça... ferrugem... graxa.
Penso, logo existo nessa inexatidão reflexiva.
Penso em você e me torno segunda natureza de mim mesmo e, em sua ausência lancinante,
Congrego-me em minha consciência que lhe chama,
e chamando, vivo estou apercebendo-lhe longe em mim... (Madeira, 16/08/2006)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Uma vez atravessei uma cidade populosa

Once I passed through a populous city


Once I passed through a populous city, imprinting on my brain, for future use,

its shows, architecture, customs and traditions

But now of all that city I remember only the man who wandered with me there, for love of me.

Day by day, and night by night, we were together.

All else has long been forgotten by me — I remember, I say, only one rude and' ignorant man who, when I departed, long and long held me by the hand, with silent lips, sad and tremulous.


de Walt Whitman