sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Ato 4

É difícil despir você de mim.
Sua pele enclausurou-me e mantém-me retido e desfeito.
Tornou-se difícil respirar e o mundo parece estar girando...
e eu me sinto parado,
sem noção exata do espaço de mim mesmo,
perdido enquanto procuro desfazer-me de tal dificuldade.

Tudo girando... e eu ainda procuro o que podia ter sido,
procuro algo que não me fira, nem me aniquile sem sobreaviso,
caço as sobras, reservas e conservas de geladeira.
Caço o que não foi desfacelado... encontro o piso onde me esparramo.

Em tudo mais ofega-se, transpira-se e verte-se,
a substância é salgada... e perdida.
Reclama-se e molha-se a colcha, o lenço, a blusa, a fronha...
Revolve-se em si mesma, sem sentido, nula e descontrolada...
Sugada, tragada e vertida em território vago.

O que sobra disso tudo sou eu? Ou o rascunho do que fui,
um espelho comigo dentro, estendido em seu fundo?
Sobra minha casca, invólucro suspenso,
minha casa em minha ausência, trincada, úmida, em silêncio.
Sobra o resto de um grito, o nó, a garganta, um eco sufocado.
Sobra o vinho, o rum, o gim,
o granizo que não mais caiu,
que não machucou tanto quanto era preciso ter machucado.

Raras vezes, aparece o vento, o frio, o quente,
dia e noite conjugados numa mesma atmosfera.
A madrugada parece estar embalada a vácuo,
com uma galáxia desnutrida, frágil...
constelação de idéias cegas.

Então o pó era um risco,
assim como o eco de gotas do chuveiro e na pia também eram.
Essa dormência zumbi,
Essa clemência epidêmica alojada no cerne de si mesmo,
Esse medo fantasma de uma esperança tardia... seriam o pagamento.

Tanta sobra assim nos envenena,
amarra a boca e turva a paisagem mais clara.
Tanta sobra assim é a granada numa explosão virulenta,
impiedosa para com nossa retina passiva.

Tudo que sobrou há de faltar,
num passado e num futuro presentes,
num universo paralelo e sem tempo,
eterno e findo em cada momento.
set/2006

Nenhum comentário:

Postar um comentário