sexta-feira, 17 de julho de 2009

Ato 3

As idéias proliferam e os medos também.
Pessoas somem, desaparecem.
Lilians, Ritas e outros mitos...
Pessoas mais próximas, seu sumiço temo.
A dor do apagar-se,
a dor de apegar-se e perder-se em dor.

Algo na garganta surta e o ventre infla.
O grito murcha sempre a meio caminho.
Grito prenhe não vinga.

Os dias são de espera e o pêndulo transita,
onipresente em cada frémito meu.
Nomes me provocam e eu tremo.
Diante de mim o universo,
diante o adiante inexorável,
a manivela de um realejo universal...
a música toca e dançamos surdos...
a luz se apaga e dormimos mudos.

Alguém pode dizer qual a palavra certa,
o gesto, a senha exata para sincronizar-se com a melodia?
Qual é o fim, o começo, o meio?
O extremo posto, imposto e oposto nos empurra para o nexo do que somos.

Qual o sexo correto? Que beijo não proibiu-se?
No espelho sou você amanhã e você fui eu ontem.
O desejo não responde, apenas pergunta e supende esse estado,
de onde, covarde, se afugenta.

Quero ouvir a voz, tocar a mão, acarinhar a alma
numa profunda e terna poesia...
Quem dera alguém mais, algum dia, isso tenha sonhado.
Quem dera, querendo mais do que podia, arrebatou-se do sonho,
transfigurou-se ao reconhecer-se e seguiu sendo.

Os lábios roçam palavras que nada mais fazem,
não me resolvem, não trazem certeza ou calmaria,
trazem a si mesmas, revoltas, obsessivas,
sem o descanço de uma sombra amena, ainda que tardia.

Quero os nomes ungidos de uma esperança multiforme,
e que o meu esteja entre todos eles,
porque o medo, temporariamente, preside em nossos corações,
e esperamos a mão prometida que venha apaziguar-nos,
repleta de ternura e compreensão, ainda que tardias. (2006)

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Ato 2

Estou repleto de coisas, umas plenas e profundas, outras nem tanto, amenas,
pequenos tesouros a lhe oferecer.
Sincero, à sua frente, encontro-me mudo.
Meus olhos segredam:
- Despido dentro de mim... desnudo diante do mundo.

Antes, um vendaval não acenderia a brasa-jazida,
hoje, um suspiro, um sibilo, uma sensação tardia...
e um incêndio se forma.
Meu fogo arde em fome preocupada por sua lida.

Estou ao meio, pela metade em você,
Inteiro nas redondezas de sua presença... no riacho de sua figura.
Em sua ausência sou sol pleno em deserto,
sou o que antes circundava e agora oriunda-se,
sou o que agora bifurca-se e procura uma única via,
estrada contínua, intracejada trilha.
Lúmen. (2006)

terça-feira, 7 de julho de 2009

Livro dos atos solitários

Ato 1
Eu penso em você o tempo todo.
Penso quando ando, enquanto durmo, quando sonho.
Penso em você quando olho pra dentro de mim, ferida aberta,
espírito, espelho, cotidiano...
Penso quando cismo não pensar, me engano e me pego pensando.
Eu me perco em raciocínios e me encontro, de novo,
quando em meu pensamento vislumbro seu rosto.
E, em cada entorno dessa obsessão, me ludibrio desse seu eterno retorno.

Eu penso em você em cada fôlego, cada fuligem de bocejo matutino, cada lembrança de noite, carapaça... ferrugem... graxa.
Penso, logo existo nessa inexatidão reflexiva.
Penso em você e me torno segunda natureza de mim mesmo e, em sua ausência lancinante,
Congrego-me em minha consciência que lhe chama,
e chamando, vivo estou apercebendo-lhe longe em mim... (Madeira, 16/08/2006)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Uma vez atravessei uma cidade populosa

Once I passed through a populous city


Once I passed through a populous city, imprinting on my brain, for future use,

its shows, architecture, customs and traditions

But now of all that city I remember only the man who wandered with me there, for love of me.

Day by day, and night by night, we were together.

All else has long been forgotten by me — I remember, I say, only one rude and' ignorant man who, when I departed, long and long held me by the hand, with silent lips, sad and tremulous.


de Walt Whitman