domingo, 30 de agosto de 2009

Ato 7

Na sêde do que somos procuramos complemento,
mas toda vez que a terra gira, brinda-nos com:
o germe da crença em florescermos e sermos;
o dia a dia, numa alquimia que a vida torna espelho.

Seu riso é um cálice de onde minha alma brota,
fonte onde, bêbado, me abandono.
O lábio que me leva, bússola de minha travessia,
intuição que não me desaloja, não me desaponta.
Rocha.

Nossa prece é a sinceridade desse batismo,
o necessário pra que não haja desencanto.
O que se pede é a necessidade de encontrar-se a outra face,
e nessa atividade lançamo-nos com afinco tamanho,
que nos deparamos com o que há de melhor em nós mesmos,
quando espelhamos e embelezamos, pelo sentimento, um ao outro.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Ato 6

Por enquanto sou a lembrança de um fantasma em sua vida...
uma certeza bifurcada no temor de arrepender-se da escolha proferida,
uma esperança no desejo de ultrapassar o limite que lhe prende.

Sou, por agora, a incapacidade de dizer sim ou não.
Opção...espera.
Sou a decisão futura, no momento certo.
Espero.

Quero sua mão.
A solidão irá embora.
Evoluir é uma semente que sempre brota...
torna-se flor e desabrocha.

Emperrar nesse mecanismo,
ao persistir no tom obsessivo,
nos faz morrer e, como num abismo,
nos faz ceder a vertigem suicida.
2006

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Ato 5

Você me feriu quando me disse que alguém amou você mais que eu.
Me feriu por ter, dessa maneira, diminuído minha ousadia.
Me feriu por me comparar a sua antiga companhia.
O que considerei inominável.

Feriu-me sem querer, é verdade, pois não se ateve ao peso de sua afirmação.
Não percebeu, não viu, não reparou na dor e na aflição causadas.
Não ouviu o grito agitado de viver essa minha condição.
Eu me pergunto se um dia essa ferida cicatriza.

Outra pergunta surge:
- Onde anda sua antiga companhia? Com quem e como?
Por quais territórios sua viagem prosseguiu?
Qual a bagagem e a passagem paga? E sua sombra?
Sim, sua sombra! Esta acompanhou seu corpo na travessia da separação?

Pergunto e cismo:
- Serei eu uma aberração! Onde está a minha?
Desligou-se de mim e não voltou... continua ligada à sua, sem que a note,
sem que lhe devote a atenção que ela, em súbitos lamentos, vocifera.
E, em todos os segundos, declara-se incapaz de superar o prejuízo que sua ausência causa.

E a poesia? Se fez na boca alheia? Seu lábio pronunciou uma palavra encadeada em outra?
Engatilhou esses disparos incontroláveis, resultantes da tentativa de fustigar o ar insano?
Falou com Deus e pediu-lhe, na forma das sobras que se tornou, algum alento,
a fantasia, ou ilusão, de ter de volta o alimento que nutria sua alma?

Eu me pergunto:
- Se tudo fiz, porque ao menos não presumiu o quanto uma afirmação destrói?
Eu lanço essa pergunta a você...
Lanço e ensurdeço...
ensurdeço porque temo.
set/2006

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Ato 4

É difícil despir você de mim.
Sua pele enclausurou-me e mantém-me retido e desfeito.
Tornou-se difícil respirar e o mundo parece estar girando...
e eu me sinto parado,
sem noção exata do espaço de mim mesmo,
perdido enquanto procuro desfazer-me de tal dificuldade.

Tudo girando... e eu ainda procuro o que podia ter sido,
procuro algo que não me fira, nem me aniquile sem sobreaviso,
caço as sobras, reservas e conservas de geladeira.
Caço o que não foi desfacelado... encontro o piso onde me esparramo.

Em tudo mais ofega-se, transpira-se e verte-se,
a substância é salgada... e perdida.
Reclama-se e molha-se a colcha, o lenço, a blusa, a fronha...
Revolve-se em si mesma, sem sentido, nula e descontrolada...
Sugada, tragada e vertida em território vago.

O que sobra disso tudo sou eu? Ou o rascunho do que fui,
um espelho comigo dentro, estendido em seu fundo?
Sobra minha casca, invólucro suspenso,
minha casa em minha ausência, trincada, úmida, em silêncio.
Sobra o resto de um grito, o nó, a garganta, um eco sufocado.
Sobra o vinho, o rum, o gim,
o granizo que não mais caiu,
que não machucou tanto quanto era preciso ter machucado.

Raras vezes, aparece o vento, o frio, o quente,
dia e noite conjugados numa mesma atmosfera.
A madrugada parece estar embalada a vácuo,
com uma galáxia desnutrida, frágil...
constelação de idéias cegas.

Então o pó era um risco,
assim como o eco de gotas do chuveiro e na pia também eram.
Essa dormência zumbi,
Essa clemência epidêmica alojada no cerne de si mesmo,
Esse medo fantasma de uma esperança tardia... seriam o pagamento.

Tanta sobra assim nos envenena,
amarra a boca e turva a paisagem mais clara.
Tanta sobra assim é a granada numa explosão virulenta,
impiedosa para com nossa retina passiva.

Tudo que sobrou há de faltar,
num passado e num futuro presentes,
num universo paralelo e sem tempo,
eterno e findo em cada momento.
set/2006